sexta-feira, abril 22, 2005

T

Todos os seus pedaços fazem-me ricochete no crânio em todos os momentos, como cacos de espelho com imagens das suas diferentes partes: uma mão, a boca, os olhos azuis, o sorriso, o próprio olhar, as pernas, o andar.
Não quero falar de si neste momento.
Agora aqui, quieta no meu canto, já com a porta fechada à chave, tenho pena de mim própria, compadeço-me de mim mesma, o que é um sentimento altamente desagradável, o mais desagradável.
Sei que perdi uma das formas mais gratas e subtis do amor que alguma vez conheci.
Escolho fechar-me.
Seja como for, é incrível o quanto me sossega esta ideia.

quinta-feira, abril 21, 2005

Nova identidade (mais uma)

Que raios! Lá tive eu que mudar de canto outra vez.
Este sim, permanecerá anónimo.
Não quero que me leias, ouviste?
Este canto é meu.
Este pedaço é meu.
Aqui sou eu.
E só há lugar para mim.
Esta é a minha concha, este é o meu edredon onde me escondo.
É o meu T1, não cabe mais ninguém. Só existe um quarto e a sala está atolada de inutilidades.


(dasabafo)

terça-feira, abril 19, 2005

Onde está a menina?

Quando era pequena tinha uma alegre forma de brincar. Escondia-me debaixo das camas, dentro dos armários, atrás das portas mas o meu esconderijo de eleição era a secretária do meu pai, no escritório lá de casa.
Um escritório formal, dimensões normais, uma sala geométricamente quadrada com mobiliário clássico de madeira preta. Um quadro gigantesco pendurado com um velho pintado. Um velho de cabelos brancos, de contornos finos, olhos vazios e dedos magros. Segura uma pena e escreve.
O meu pai dizia-me que era uma quadro banal comprado numa qualquer loja, mas eu preferia imaginá-lo como sendo o retrato do meu avô. Não sei porque mentia, acho que isso tornava o quadro mais importante. As minhas amigas de então ficavam surpreendidas e eu gostava de lhe arrancar aquela admiração do rosto: O teu avô deveria ser uma pessoa importante para lhe pintarem um quadro. E era. Era o meu avô.
E lá voltava eu ao meu esconderijo, escondida na concavidade da secretária, mal ouvia o carro do meu pai chegar, o som do motor que conhecia de cor, o barulho do portão a abrir-se.
Onde está a menina?
Era a primeira coisa que o meu pai pronunciava mal entrava em casa: Onde está a menina?
A minha mãe, pano da loiça na mão respondia: Não sei, escondeu-se.
Eu sei que a minha mãe não se entusiasmava com a brincadeira, todos os dias igual, repetidamente. Para a minha mãe, tinha perdido a graça.

E hoje, vendo o meu pai deitado na cama, fraco, desiludido, entubado nas veias, magoado com a vida e rancoroso com a doença, sem vida a pulsar debaixo da pele, sem coragem para fazer tudo o que ainda não conseguiu, apetece-me dizer-lhe com uma euforia que me enche de graça: Estou aqui, papá.

E abraço-o. É um bem estar único e delicioso. A alma cresce.

sexta-feira, abril 15, 2005

Ventos encontrados

Quero continuar submersa nesta triste confusão mental, deixar que o cérebro não se concentre, não tentar dirigí-lo para nenhuma vereda de ideias ou recordações.
Mas deixo que imensas ideias flutuem, surjam, se desvaneçam a seu bel-prazer, misturando-se e modificando-se umas com as outras, como limando-se entre elas, num estado de vigília muito parecido com o sono.
Mas o que está em luta na minha cabeça não são imagens ou histórias, como nos sonhos. Mas frases, palavras, pensamentos soltos, lanças de ideias bicudas, ásperas, cortantes, combinações de sons que exprimem o que sinto e o que sinto não é claro, mas uma série de redemoinhos e ressacas contraditórias.

Espumas confusas à beira-mar.

Água a ferver.

Nuvem que se adensa antes da trevoada.

quarta-feira, abril 13, 2005

O descanso nocturno é-me negado

3h da manhã, sim senhor...e eu sem dormir.
Que desculpa darei amanhã, quando me apresentar com cara de sono?
Ainda não me deitei mas sei, seguramente, que chegarei atrasada.
Embirro com as minhas insónias.
Em lugar de gozá-las e pôr a leitura em dia, dá-me para arrumar os armários, limpar gavetas, perder-me nos papeis inúteis que teimo em guardar. Vale-me a companhia dos Black box recorder.
Amanhã repete-se...caminho para o emprego, obediente e domesticada, cinco em cada sete dias.
Amanhã desobedeço ao meu despertador, e regálo-me em espreguiços.
Que ninguém me acorde!
Vou tentar domir, fá-lo-ei mais serenada do que em dias anteriores. O chá de camomila é bom conselheiro e apela o sono, quando ele teima em chegar.
Vou encolher-me.

domingo, abril 10, 2005

Ela, que conseguia em menos de 20 minutos, fazer bolinhos de bacalhau

Hoje tive um Domingo bom.
Cheio de mimos, sol, livros, água quente, lembranças e arrumações.
Cheio de preguiça, música, conversas e morangos.
Cheio de ar fresco, vento, argumentos e força.
Os Domingos são assim, solitários e sem sentido, sobretudo as manhãs.
As manhãs de Domingo, em cores pastel.
Mas este foi diferente.
Hoje disse toda a espécie de parvoices e não caí no ridículo. Disse-as à minha Mãe e ela parecia entender tudo.
Hoje olho para trás e vejo que durante uma vida ela me deu muito mais do que eu lhe dei e talvez por isso lhe guardo uma gratidão profunda e desajeitada que me faz procurá-la de vez em quando e dizer-lhe que a adoro, que nunca conheci ninguém como ela, que se não fosse ela não gostava de arrumações, limpezas, de fazer bolinhos de bacalhau e de organização, que se não fosse ela, talvez eu não soubesse o que querem dizer coisas tão pequenas como atenções, mimos, abnegação e generosidade.

Repetimos um Domingo como este, Mãe?

Felicidades

Bizarro.
É assim que classifico o pensamento que tive esta noite, durante o sono.
Não, não foi um sonho, foi só um pensamento durante o sono, uma espécie de miragem, que demorou segundos, durou nada.
Foi assim, uma premonição, sim, foi uma premonição.
Zangámo-nos por uma palermice, dizes tu. Não, não foi. Mas não adianta, jámais entenderás.
Sempre ocupada com as tuas realidades, com a pequenez das tuas coisas, com aquilo a que chamas problemas, metida no que não deves e despreocupada com o que deverias.
Não é assim?
Tenho saudades da nossa amizade, sabias?
E acho que foi por isso que te vi no meu sono.
E quis ver-te.
Saber de ti.
Saber se estás bem.
És feliz?
Hoje vi-te, minha querida Amélia.
Entrei num autocarro, fiquei no corredor, de pé. Olhei para todo o lado e nenhum. Vi toda a gente e ninguém. Não isolei nada nem ninguém.
E de repente vi-te. Sentada na segunda fila, do lado da janela. Tinhas um olhar tão meigo. Só te sorri. Tinhas um bébé no colo.

Para ti e para o teu filho....o melhor deste mundo, Amélia.

Sim, eu sei que nasceu hoje.
Soube há minutos.

terça-feira, abril 05, 2005

9s fora nada

E pronto.
Apetece-me pedir-lhe para não me esquecer, mas não o devo fazer.
Você saberá, mais ninguém.
De mim saberá que sou um pouco como as estrelas, pode não me ver, mas estarei lá, serei mesmo das estrelas mais brilhantes do seu firmamento...

Meu amor, porque é tão efémero e ao mesmo tempo tão perene?!
Pressentir a sua corporeidade é um estado tão singular para a minha alma!

...Um beijo, como se fosse o primeiro.

Prova dos 9

Hoje não lhe telefono.

Afinal você não existe!

É claro que não existe... Aprendi em matemática que o infinito é uma abstracção...e no entanto o infinito pode ser a única solução para o pensamento...

Você é infinitamente excitante, infinitamente estimulante, infinitamente possessivo, infinitamente doce, infinitamente libidinoso, infinitamente volátil...por isso não existe!

É por isso que hoje o fico a amar como a uma abstracção... abstraio-me da minha condição, abstraio-me do meu corpo, abstraio-me até do meu espírito e entro dentro de si...e uma vez lá dentro espalho-me como uma onda preenchendo os seus pequenos interstícios, sentindo finalmente o prazer do infinito!

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