quarta-feira, novembro 30, 2005

Sem hesitações

Gostava que me olhasses, de perfil, de frente, os olhos, o próprio olhar, olhos nos olhos, aqui, além, as mãos, a forma, a pele, a geografia do meu corpo, os gestos, o sorriso, os lábios entreabertos, o andar, as minhas pernas, os meus sonhos, o meu desejo, o próprio ar que respiro.

terça-feira, novembro 29, 2005

( )

Não, não se tinha esquecido dele, tinha-o apenas colocado entre parênteses.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Sem forças

Às vezes queria correr muito, fugir, e tentava correr com todas as forças, mas apesar do esforço, só lhe saía um trotezinho vagarento, de velha paralítica, de mula estoirada, de lesma ferida.

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É um momento terrível, quando se amou alguém, notar que se está a deixar de amar.

domingo, novembro 27, 2005

A duas maõs

Tinha uma mão para receber e outra para dar.

A serenidade que convém

Toda a gente fala e procura afrodisíacos. Porque não falar e procurar às vezes anafrodisíacos, a paz dos sentidos, a calma das pedras, um abraçar demoradamente?

Instinto animal

Não se pode racionalizar e pensar tudo. Há alturas na vida em que só as sensações prestam, o instinto, o que aprendemos antes, quando ainda não eramos humanos e vivíamos pendurados nos ramos das árvores.

sábado, novembro 26, 2005

Sobre um certo blogue

Enchia os seus dias com a sede de conhecê-lo, com o anseio de vir a saber a tonalidade das suas histórias.

A magia do chá

Para tentar dominar tantos pensamentos espalhados em noites de sucessivas insónias, para tentar afastar qualquer mentira, qualquer inexactidão ou incoerência, Maria bebia, todos os serões, duas chávenas de chá. Ajudava-a a limpar-se por dentro, pensava.

Problema filosófico

Sofria de um velho problema: o desacordo entre o corpo e o pensamento.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Neste momento

O seu sonho era deter um poder de intromissão telepático que lhe permitisse invadir a solidão dele.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Devastador erotismo feminino

Eram várias, as vezes em que chegava a casa com vontade de se tocar. Começava a descobrir as partes do corpo tapadas pela roupa, enquanto a sua mente ia sendo invadida por cheiros e sabores, os seus dedos e as suas papilas, tudo nela era força e arrojo.
Eram várias, as vezes em que chegava a casa com vontade de se tocar a pensar nele.
Gemiam (ela mais), vinham-se (ela mais), riam (ela mais), tudo (ela tudo mais).

Sem esforço e sem vontade

O que não faz mais sentido não tem futuro.
É como se um plano tivesse falhado e essa ilusão de perdurar era como um objecto partido: impossível já de concertar, de coser, de remendar e de voltar a colar.

Em último esforço

Tinha perdido o prazer de ser generosa, estava a recuperar todo o seu egoísmo, esse egoísmo que apenas o amor esconde, suaviza, paralisa.

Sorriso imposto

Parecia andar absorta em obscuras meditações. Calada, e se lhe perguntavam alguma coisa, ela tentava desenhar na sua cara um sorriso, mas esse sorriso saía-lhe tenso, falso, feito de músculos voluntários e rígidos, no qual não participavam as partes do sorriso que se mexem espontaneamente.

quarta-feira, novembro 23, 2005

E porque me apetece, este vai sem título

Só depois das duas da manhã é que reparou que não tinha comido, não tinha lido, não tinha feito nada. Tinha-se distraído com a música suave de Lizz Wright, a mesma música, vezes sem conta, música profunda sim, triste e trocista, frívola e sensual, tudo ao mesmo tempo. Mas mais do que escutar, a sua vida tinha-se reduzido, durante essas horas, a esperar. Sou estúpida, pensou Maria, antes de mudar de roupa para ir dormir, enquanto escovava os dentes, sou estúpida.
Pôs Ilya a tocar, como num acto de reconciliação impossível e adormeceu. (Bem, não adormeci, porque ainda estou aqui, mas parece-me estúpida a ideia de permanecer aqui e não levantar-me como uma mola para me deitar e por essa mesma razão, e porque fica bem no fim do post dizer que Maria adormeceu, dá-lhe um ar de Coitadinha-da-Bela-Adormecida de Banda Desenhada, adormeci, embora, repito, não tenha adormecido).

Uma coisa é certa:

Para a morte, como para o sol, não se pode olhar fixamente por muito tempo.
Não vale a pena pensar muito na morte. Mas é insustentável o facto de a perfeita auto-estrada asfaltada da minha concepção da vida acabar em tamanho percipício.
Não, não estou doente, tão pouco sofro desse terror ancestral de pensar na morte como um fantasma. Confio na medicina científica e controlo o meu corpo. Penso nisto como poderia pensar noutra coisa qualquer. Sonhar com a morte significa anos de vida, dizem.
Mas não sonhei, só penso. Penso que por vezes gostaria de controlar tudo, mas o controlo é inimigo, claro, da desolação, mas também da alegria. Aliás, é necessário abdicar de vez em quando da incredulidade, mergulhar na música das sensações para poder sentir a fundo a alegria, a emoção, a doce tristeza de continuar viva.
Mas voltando à morte: não, não me apetecia morrer já, se tivesse que morrer. Ainda me apetece olhar para o mundo com olhos insaciáveis. Há que viver até ao limite este imenso acaso de estar viva. E mesmo que da minha existência nada fique, esta é a minha única hipótese, e tenho de vivê-la com todas as minhas forças.
Mas é triste, a morte. Um dia o corpo e a alma param de lutar e de se apegar com os cinco sentidos à existência. Param de lutar e vão-se embora. Vão-se embora.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Sigur Rós

Há dias em que vale a pena sair de casa para assistir a um concerto delicioso, cheio de luz, com um harmonioso timbre de voz, uma música para nos perdermos por trás dela, esquecidos do corpo. E é quando se assiste a concertos como este que sinto uma vontade de me apoderar do mundo, de viver os dias como um milagre, viver até ao limite o imenso acaso desta existência sobre a terra.
Sigur Rós - Olsen OlsenSigur Rós - Untitled 4 Sigur Rós - Untitled 8 Sigur Rós - Starálfur
(Este símbolo tão giro devo-o ao Ricardo)

domingo, novembro 20, 2005

Sobre um certo blogue

Ao lê-lo imaginava-o.
Saboroso para ser visto quieto ou a caminhar.
Destinado a despertar amenos e muito ternos pensamentos, talvez merecedores da cólera de Alá, por serem tão pouco castos.

Maria confessou:

Dos seus amantes preferia fazer caricaturas em vez de retratos.

O real substituiu a força da lembrança

O que devia ter sido um episódio esquecido e esquecível cresceu como uma gravidez a prazo. O que devia ter sido nada transformou-se em quase tudo.
Quando ele reapareceu, com vontade de retomar tudo, de retomar o fio da vida, a única coisa que era possível fazer pela relação era já um enterro oficial.
Tinham atingido um ponto morto em que, se bem que tudo era uma espécie de mal-entendido, era já impossível perdoarem-se.

Nojo e raiva

Quando os viu Maria sentiu uma raiva inútil, misturada com tristeza e culpa, mas não disse nada, não fez nada, resolveu não dizer nada, não fazer nada. Resolveu deixar a sua dor em silêncio, a sua ofensa em silêncio, como se a tivesse merecido.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Às voltas com o blogue

Venho aqui, largo discursos e depois adormeço.
Na manhã seguinte quase vomito o que escrevi de véspera.
Mas no dia a seguir, ao anoitecer, volto à carga, de cada vez com menos para dizer.

terça-feira, novembro 15, 2005

Pergunta:

Porque carga de água tem de haver sempre um homem qualquer que parece insubstituível?
É passado, é um facto, mas mexe no meu presente, oculta com brumas de medo o duvidoso futuro.

Repetição

Maria confundia os tempos: todo o passado se transformava em futuro. Se nós, os humanos, estamos condenados a repetirmo-nos, pensava, o vivido não é senão o prenúncio do devir.

segunda-feira, novembro 14, 2005

A escrita

Maria às vezes escrevia com lágrimas nos olhos e fúria na ponta dos dedos.

A fala

Maria às vezes falava num tom autoritário, diferente, já não conciliador, mas definitivo, irrefutável, peremptório, último.

Filósofos vaidosos

Já reparam como quase todos os filósofos do mundo mandam tirar uma fotografia de si próprios com o queixo apoiado na palma da mão? Adoram, só posso concluir, e ainda mais se aparecem com olhar perdido, extraviado, num utópico ou platónico planeta, em meditações muito espirituais, e a mão tensa, tremendo sob tanto peso.

Poetas

Os poetas são profetas e redentores do mundo, através deles fala o ser.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Ideias

Ideias, essas coisas sem peso, insaciáveis, essas coisas que mal podem ser captadas, parcialmente, por meio de imagens e por fórmulas e por palavras.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Poema da mentira

Muitas das minhas lembranças não são lembranças minhas.
Em parte invento.
O resto imagino-o.
Digo coisas em que não acredito.
Coisas que não penso.
Defendo argumentos com que não concordo.
Mas contar-te-ei, sem inventar, mais coisas do que consigo lembrar-me.

Infelizmente

Existem pessoas fracas de carácter que não podem pecar se antes alguém não lhes disser que está bem fazer aquilo que está mal.

terça-feira, novembro 08, 2005

Subindo a pé

Maria subiu todos os degraus até ao sexto andar. Não lhe apeteceu elevador. Quis descarregar com movimento parte da tensão.

Momento perfeito

Afinal, era como estar nua sem estar. Afinal, era como tirar a roupa sem se despir, sem se mostar. Afinal, era como fazer amor não com o tacto mas sim com a vista. Então resolveu que, naquele momento, não podia haver nada melhor do que não levá-lo para a cama mas sim levá-lo a comer uma pizza.

segunda-feira, novembro 07, 2005

Há vida dentro dela

A mim, quando era novo, olhar de muito perto o orifício secreto de uma mulher, paralizava-me. Agora adoro, posso ficar horas a fio a olhar para ele. São impressionantes, essas pétalas humedecidas, essas cores escuras e avermelhadas de carne, essas texturas às vezes muito lisas e às vezes muito enrugadas, essas viscosidades de molusco, essas dobras marítimas com pequenos pêlos que tapam e destapam.
Disse-lhe, enquanto a olhava.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Fácil sedução

Ao ver como ele sorria, concluiu que era um daqueles homens que, perante o espelho, se seduzem a si próprios.

A culpa é da geografia

Maria tinha mais uma teoria para a sua carência: Não nascera perto do mar nem em terra quente, mas numa cidade demasiado virada para o trabalho, para o rancor e para a circunspecção.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Séria, como um revólver, disse:

O esquecimento é a única vingança e o único perdão.

Os antes que preparam o depois

Atribuiu o seu mau humor ao cansaço, a uma réstia de enxaqueca, ao frio e à chuva, à mudança climatérica, à fotografia perdida que ainda paira em casa, que ainda não foi submergida de cabeça para baixo na arca funda das lembranças. Aludiu também alguns excessos gastronómicos do jantar, vinho a mais, uma sobremesa a menos, já não sabia o que inventar.
Depois soube que apenas estava triste.




    My big secret,Michael Nyman
    (Obrigada pela música, Ricardo)

terça-feira, novembro 01, 2005

Utopia

Este senhor pegou nesta fabulosa música dos Goldfrapp e deu-lhe este look:



    Utopia,Goldfrapp (Mick Harvey remix)

Uma aventura, uma aposta, um risco

Ela não é a mulher mãe, a que ama a priori, a posteriori, in fraganti, in extremis, em todo o resto de circunstâncias previstas pelo latim. Ela é a mulher amante, pela qual é preciso lutar noite após noite, numa faina permanente de conquistador.

A alegria

Porque é que às vezes as pessoas desdenham a alegria e o riso? Porque é que a consideram trivial, vã? A alegria é tão profunda como a tristeza, tão profunda como qualquer misticismo, tão humana como o choro, mas devido às nossas manias masoquistas parece que tem pouco prestígio.

O jantar

Conversavam enquanto cozinhavam e jantavam também a conversar sem parar de comer nem de conversar. Juntavam no espaço da cozinha o mais carnal, a comida, com o mais espiritual, a voz.

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