sexta-feira, janeiro 27, 2006

Homens bonitos

Nunca gostara de homens bonitos. Não são reais. Parecem um estereótipo, não lhes falha pormenor nenhum, parecem uma soma de lugares comuns.

Sobre ele

Com ele sentia que o seu sistema nervoso estava como que exposto, ao rubro, e tudo lhe parecia vibrante, requintado e dolorosamente sensível.

Caderno de apontamentos

Estes escritos, ao cabo de algum tempo, são quase como se fossem alheios, porque afinal de contas são uma coisa que ficam de fora, fora de mim mesma, como um tumor extraído. Tudo é filtrado, perderam as impurezas, tornaram-se inóquos. Eu nutro-me de vida, não de papel.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Diagnóstico

Eu sei o que é. É uma bola de dor na garganta, essa bola na garganta vale por alguns nós no estômago. Faço adições e subtracções, cobrando a felicidade.

Insónia à volta do nada

Nesta noite, como em tantas outras noites, no momento de me deitar, tive medo de não conseguir adormecer. E eis-me perante a noite escura e perpétua, sem sono, sem sonhos, sem lembranças, a mesma nulidade que senti uma vez, com a anestesia, quando fui operada.
Invejo quem esteja a dormir. Levantei-me obcecada por escrever. Tomei o meu chá. Calmante, diz o rótulo. Nem o chá me salvou. Fica aqui o meu protesto.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Um ano

Comecei por deixar-me arrastar pela corrente de sensações, enquanto ela durasse, encapuçando a minha cabeça pensante numa total ausência de ideias, cálculos e sentimentos.
Comecei com algumas frases e ténuos monossílabos, poderia dizer-se que o blogue era quase mudo. A pouco e pouco fui ficando ancorada nele. Agora é uma torrente de palavras. Sigo-lhe, seduzida, os caminhos. Este blogue faz hoje um ano.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

A razão

Razão, razão, colocava sempre as questões todas em termos da razão, quando a única coisa que tinha de fazer é afastar-se, libertar-se da razão. Tirana razão, odiada razão, teimosa razão, amada razão, é preciso pausa e sossego.

Educação sentimental

Quero que me queiras porque me conheces, não porque me inventas.

Franqueza e descaramento

Tinha dias em que se embriagava de desejo e todas as suas ideias encarnavam em sexo.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Uma questão de equilíbrio

Ela tinha medo de perdê-lo, ele temia perdê-la. E nesse pensamento perderam todo o equilíbrio.

Corinne Bailey Rae

Há quanto tempo não vos dou música?
Corinne Bailey Rae - Like a star

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Os homens e os burros

Há quem queira ser mais do que aquilo que é. Lembro-me logo do Dom Quixote e do homem que sustentava saber zurrar melhor do que os burros.

A inocência

Sonhei que era novamente criança, que pedalava despreocupadamente pelos carreiros do parque em cima do meu triciclo e que cheguei a casa e comi um pêssego maduro. É assim, a maior das inocências.

Se calhar não é coisa que se entenda

Às vezes equipava-se e saia. Esquipada com manuais, binóculos e mapas. Equipada também às vezes com companhia masculina, com um homem atrás do outro, com um homem qualquer, com um homem de carne, mas quase abstracto.

O sono retemperador

Não queria dormir. Mas era preciso, era importante, para no dia seguinte ter a difícil lucidez de continuar a viver com toda a intensidade, com toda a curiosidade, com toda a criatividade que era capaz de ter.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Alguém me ouve?

Assim começou a falar Maria. Desatou a falar sem parar, deixava sair um fluxo interminável dos seus lábios e garganta. Como uma caçadora de cobras, como uma vendedora de pomadas, como uma encantadora de serpentes: Estou farta de estar aqui, farta, preciso de ver gente, de ver o dia, preciso, sobretudo e acima de tudo, de falar. Alguém me ouve? Com atenção exarcebada, com paixão, com interesse, como quem ouve uma série de ameaças, de perigos cifrados, como quem, pelo rádio, capta os códigos de batalha do inimigo?

1+1=1

Uma pessoa sozinha abraçada a outra pessoa sozinha não resulta em companhia.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Bis

Uma certa urgência da carne e do espírito levava-os para a cama. Faziam o que há de mais carnal e de espiritual: unir os seus corpos, inteiros. As carícias apoderavam-se do pensamento; o pensamento enlouquecia-se de carícias. Faziam amor com facilidade, com felicidade, com variações. Ao terminar, de cada vez, largavam uma gargalhada de alegria e voltavam a abraçar-se por um longo tempo.
Não quero despachar o assunto nem esquematizá-lo um só bocadinho, mas era assim, não era?

A conclusão

Há pessoas que despertam o nosso altruísmo e pessoas que axaltam o nosso egoismo. Nesta área eu conheço todos os extremos.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Os motivos mais recôndidos

O nosso caso é um caso típico de telepatia.
Quando dois corações se amam e dois corpos se desejam, a energia do pensamento consegue superar todas as barreiras físicas. Eu sinto que um fluxo energético surge da tua cabeça, de uma parte dos teus neurónios e se deposita, intocado e idêntico, noutra parte dos meus.
Sabias?

O azar da sexta feira 13

Pouco supersticiosa, nunca tivera medo de passar por baixo de uma escada, nem pânico de gatos pretos, nem tão pouco medo das sextas feiras 13.
Mas esta última tinha sido diferente, como se isso estivesse escrito nalgum rolo celeste do destino. Caiu, com o corpo todo em cima do pé. Desgraçado do pé não resistiu a tanta improdência e agora vê-se engessado, imobilizado, triste, mal amparado por duas canadianas desequilibradas.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Sem palavras

Uma pessoa que se cala não é uma pessoa que tenha deixado de pensar, é antes alguém que oculta o que pensa. Mas o que é que pensa essa pessoa que se cala, se por acaso pensa?
A minha imaginação entrava numa actividade febril até preencher com fantasias essa ausência de palavras e senti-me obrigada a preencher esse silêncio com o meu próprio pensamento.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

A conclusão

Lendo-me a mão disse-me: Nunca adivinhei bem o ano da morte de ninguém mas receio que morrerá em breve, uma doença grave ou um desastre.
De que outra coisa poderia morrer um jovem? De velho? Perguntei para os meus botões.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

A análise

Era capaz de todas as ternuras e dos mais terríveis furores, disse-lhe uma vez.

Morte morta

Tinha vindo a conhecer nela uma mulher livre, com aquela pureza da liberdade que poucos admiram, que tanta repulsa desperta, mas que era de qualquer modo inocência, alegre inocência, vida vitoriosa, morte morta. Ela tinha uma alegria que mata a morte.

domingo, janeiro 01, 2006

O amor dos marinheiros: beijam e vão-se embora

E disse-lhe: Não gosto nem de chocolates nem de tulipas, mas gosto de ti.
Disse-lhe que mesmo assim o achava muito querido por me ter trazido todas aquelas prendas e dei-lhe um beijo. O beijo escorregou-se-me até à testa, até aos olhos, chegou ao nariz, deu com a boca. E esta minha boca que deu com a dele, encontrou-a também aberta e dela saltou uma língua que sabia a gin.

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