domingo, julho 31, 2005

Indomáveis instintos

A campainha tocou. Ouvi passos no corredor lá fora, espreitei. Não abri.
Mais tarde o telefone tocou também. Atendi. Falei. Tensa. No início só com monosílabos, depois com frases mais compridas, e por fim dei a entender que tudo isto tinha chegado a uma esquina e era preciso virá-la. Mesmo que ele antes o não achasse, a partir desse momento achou que o é, para sempre.
E então...depois de tantos passos à frente, escapei.
E então o tempo parou, entrou num parênteses de nada.
Não me senti cruel. Senti-me orgulhosa das palavras que fui largando.Tirei para fora da cabeça todas esses ideias e palavras que se amontoavam no meu crânio e que lutavam para sair pelo buraco escuro da boca.

Tortura balsâmica

Não te percebo, mas adoro-te.
Enquanto te olho, deitado, as feições intensificadas, enigmáticas, não sei o que pense.
És assim...como uma canção de Sigur Rós...não percebo, mas adoro.



    Olsen Olsen,Sigur Rós

sexta-feira, julho 29, 2005

Ar limpo

O que eu quero? É simples.
Quero andar de mão dada contigo, os dois sossegados, por um fresco carreiro de montanha, verde em baixo, azul lá em cima, e nós no meio, cor de carne.

Palavra bombástica

"Porque gosto da tua escrita Maria, das imagens breves e inesperadas, da lucidez e especialmente da tristeza, sobretudo da tristeza", alguém disse.
Estas palavras caíram como chumbo nos meus pés, senti-me sucumbir. Repito essa ladainha: a tristeza, a tristeza, a tristeza.
Pensei nisso, pensei um só instante, e vi logo como sou ridícula, impossível e estúpida e rio-me da situação, dessa afirmação e de mim mesma, sobretudo de mim mesma, das minhas tristes fantasias de louca.
Horrorizada perante esta ideia e já sem conseguir dormir, opto por ficar a ver, pela noite fora, inúmeros e idiotas programas de televisão.

quarta-feira, julho 27, 2005

O vespeiro

Devido a um estranho preconceito ideológico, digo a mim própria que não gostaria de viver fora do mundo, mas na realidade não gosto nem estou interessada em ser contemporânea de ninguém, cidadã de parte alguma e nado à vontade no meu egoismo.
Reparo na minha cidade, a cidade onde nasci, uma cidade desconhecida, cheia de pessoas, ruas, casas, casebres e prédios. Não escolho fechar-me mas às vezes os lugares são violentos, invadidos de gente ávida e de espertos...e eu nem sempre tenho tempo para andar com uma lupa à procura das pessoas justas.

terça-feira, julho 26, 2005

Bocejo...

A minha amiga Sofia namora o Rui, mas pensa no João.
O João, por sua vez, olha de vez em quando para a Sofia, mas passa os dias a pensar na Joana.
A Joana, sabe que o Tiago a engana, mas mesmo assim não o deixa e este, descaradamente, faz olhinhos à Mariana.
Cruzes canhoto!
A vida torna-se um pêndulo de incertezas quando não amamos, quando o parceiro com o qual passamos o nosso tempo não é a pessoa certa.
Não saberão eles desta verdade?

Que inércia, que indecisão, que cobardia brutal.

domingo, julho 24, 2005

Da celeridade à serenidade

Às vezes, durante a madrugada, abro os olhos com ânsia de acordar. Desfaço-me dos sonhos com a mesma indiferença com que tiro o pijama. Levanto-me à pressa, como se uma mola do colchão me atirasse para o chão com um bicada nos rins. Corro para a casa de banho e fico impaciente porque a água quente demora imenso a sair, a desalojar a água fria. Ensaboo-me apressadamente e seco-me com a toalha do mesmo modo, como a lixar a pele com a fúria de não poder ficar seca num instante. Tomo o pequeno almoço em pé em frente à bancada da cozinha e acrescento leite frio ao café para poder bebê-lo a toda a velocidade, sem ter de esperar que arrefeça, lá, em pé, sem sequer me sentar.
Por fim, quando entro no carro e arranco, reparo que vou chegar muito cedo ao emprego, muito antes da hora de entrada. Sinto então o primeiro sossego do dia, invade-me uma espécie de serenidade de último momento e, finalmente descontraída, em sintonia com o tempo, guio muito devagar, ponho a música a tocar. Dos altifalantes sai essa nuvem de ruídos harmoniosos e de repente sinto-me recolhida, a contrastar com o desassossego que tinha sentido desde o mesmo instante em que tinha aberto os olhos.
Se calhar, corro tanto com o único fim de me sobrar tempo.
Em todas as coisas rotineiras, nas coisas corriqueiras e indispensáveis, faço os possíveis para poupar tempo, corro, voo, apresso-me, desespero-me. E faço-o para depois poder entregar-me, à vontade, às coisas inúteis, ao inesperado. Depois de despachar como um relâmpago toda a rotina, entrego-me aos tempos vazios. Depois de ter corrido horas a fio como doida, deixo-me ir atrás do prazer do tempo morto. Uso a rapidez da madrugada para poder mergulhar mais tarde na lentidão com que o crepúsculo chega.

quarta-feira, julho 20, 2005

Não existem só as Leis de Murphy

"Se és amarga e desagradável, se maltratas mesmo as pessoas correctas, se o mundo para ti não passa de um contentor de lixo, se a casa te parece pequena, se a ideia de um homem te faz sentir mal, quer dizer que estás para te apaixonar de novo."
Credo! E se Ela tem razão????
Ó Sra Dona Dot Parker, a menina tinha muita mais graça quando escrevia coisas do género: "Mulheres e elefantes nunca esquecem!"

domingo, julho 17, 2005

Afirmações nocturnas

Por vezes não sou dona das minhas lágrimas. Uma leve tristeza, a mais remota sombra de melancolia, um breve contacto com a solidão desencadeiam-nas, não me valendo qualquer esforço para as conter.
O mesmo se pode dizer do riso ou da gargalhada. Saiem-me com um ímpeto irreprimível, repentino.
E a crispação da raiva? Todas as rugas da impaciência?
Sou impulsiva em tudo, a falar, a alegrar-me, a ficar furiosa, a entusiasmar-me, na fúria ou no desprezo.
Outra peculiariedade é que mudo de feitio à noite. A noite torna-me mais enfática.
Com a noite perco o sentido do comedimento, que só recupero ao amanhecer.
Sou assim, exagerada então, e de palavra pronta, pouco polida, feita de pinceladas, aliás de pinceladas grosseiras, sem qualquer retoque.

segunda-feira, julho 11, 2005

Ar

Respiro.
Respiro profundamente, fazendo passar o ar pelos três buracos da minha cara, enquanto os outros dois buracos das minhas orelhas ouvem a respiração.
De repente este interesse brusco sobre o meu respirar, o barulho que faz, o eco cá dentro.
Este alarme, esta barulheira tem significado. Afinal, a vida resume-se a este respirar.
Hoje, tudo rima com ar.

O meu enclave

Existem recordações, já de todo ineficazes, um vestígio indelével e perfeitamente inútil no meu cérebro.
Não consigo usar aquele apagador especial de neurónios para eliminar antigas memórias. Tudo continua instalado na minha consciência.
É certo que já não sinto aquela ansiedade adolescente, agora só de vez em quando suspiro.
Mas hoje, hoje a ânsia insensata voltou e eu, eu fiquei à espera com ansiedade. O meu coração bateu depressa, muito mais depressa do que os segundos do relógio, como bate um coração envelhecido, assustado antes de ser transplantado.
Não há forma possível de passar da afeição para o esquecimento: rosto que já não quero ver, nome que já não quero pronunciar, presenças incomodativas que preferia ausentes e apagadas da memória.
Sim, é o meu enclave.

sexta-feira, julho 08, 2005

Insónia

Quase por cima de todas as coisas, e talvez sem o quase,e se calhar sem o talvez, o que mais gosto de fazer é dormir.
Dormir tranquilamente, sem hora definida para acordar, deixar que a mente vagueie no vazio, no nada.
Não penses em nada Maria, deixa-te antes levar.
A falta de raciocínio toma finalmente o poder.
Sinto-me alheia à peste.
Boa noite.

quinta-feira, julho 07, 2005

Luminosidade expessa, excessiva, brilhante

Apaga a luz, quero que fique escuro, como se fosse noite.
A noite suaviza tudo, a penumbra torna as coisas um pouco mais irreais.
O dia revela, desvenda, descobre, nada pode ser dissimulado.
À noite, pelo contrário, não se vê muita coisa e o que não é visto dificilmente existe.
Não olhes demoradamente para o meu corpo, com um sorriso aparvalhado na cara.
Durante muito tempo eu não gostei que as pessoas olhassem para mim. Deixar que olhem para mim durante tanto tempo, com toda essa luz, é uma prova evidente de amor e de confiança, outro dia explico-te.

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