Onde está a menina?
Quando era pequena tinha uma alegre forma de brincar. Escondia-me debaixo das camas, dentro dos armários, atrás das portas mas o meu esconderijo de eleição era a secretária do meu pai, no escritório lá de casa.
Um escritório formal, dimensões normais, uma sala geométricamente quadrada com mobiliário clássico de madeira preta. Um quadro gigantesco pendurado com um velho pintado. Um velho de cabelos brancos, de contornos finos, olhos vazios e dedos magros. Segura uma pena e escreve.
O meu pai dizia-me que era uma quadro banal comprado numa qualquer loja, mas eu preferia imaginá-lo como sendo o retrato do meu avô. Não sei porque mentia, acho que isso tornava o quadro mais importante. As minhas amigas de então ficavam surpreendidas e eu gostava de lhe arrancar aquela admiração do rosto: O teu avô deveria ser uma pessoa importante para lhe pintarem um quadro. E era. Era o meu avô.
E lá voltava eu ao meu esconderijo, escondida na concavidade da secretária, mal ouvia o carro do meu pai chegar, o som do motor que conhecia de cor, o barulho do portão a abrir-se.
Onde está a menina?
Era a primeira coisa que o meu pai pronunciava mal entrava em casa: Onde está a menina?
A minha mãe, pano da loiça na mão respondia: Não sei, escondeu-se.
Eu sei que a minha mãe não se entusiasmava com a brincadeira, todos os dias igual, repetidamente. Para a minha mãe, tinha perdido a graça.
E hoje, vendo o meu pai deitado na cama, fraco, desiludido, entubado nas veias, magoado com a vida e rancoroso com a doença, sem vida a pulsar debaixo da pele, sem coragem para fazer tudo o que ainda não conseguiu, apetece-me dizer-lhe com uma euforia que me enche de graça: Estou aqui, papá.
E abraço-o. É um bem estar único e delicioso. A alma cresce.
Um escritório formal, dimensões normais, uma sala geométricamente quadrada com mobiliário clássico de madeira preta. Um quadro gigantesco pendurado com um velho pintado. Um velho de cabelos brancos, de contornos finos, olhos vazios e dedos magros. Segura uma pena e escreve.
O meu pai dizia-me que era uma quadro banal comprado numa qualquer loja, mas eu preferia imaginá-lo como sendo o retrato do meu avô. Não sei porque mentia, acho que isso tornava o quadro mais importante. As minhas amigas de então ficavam surpreendidas e eu gostava de lhe arrancar aquela admiração do rosto: O teu avô deveria ser uma pessoa importante para lhe pintarem um quadro. E era. Era o meu avô.
E lá voltava eu ao meu esconderijo, escondida na concavidade da secretária, mal ouvia o carro do meu pai chegar, o som do motor que conhecia de cor, o barulho do portão a abrir-se.
Onde está a menina?
Era a primeira coisa que o meu pai pronunciava mal entrava em casa: Onde está a menina?
A minha mãe, pano da loiça na mão respondia: Não sei, escondeu-se.
Eu sei que a minha mãe não se entusiasmava com a brincadeira, todos os dias igual, repetidamente. Para a minha mãe, tinha perdido a graça.
E hoje, vendo o meu pai deitado na cama, fraco, desiludido, entubado nas veias, magoado com a vida e rancoroso com a doença, sem vida a pulsar debaixo da pele, sem coragem para fazer tudo o que ainda não conseguiu, apetece-me dizer-lhe com uma euforia que me enche de graça: Estou aqui, papá.
E abraço-o. É um bem estar único e delicioso. A alma cresce.
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