quarta-feira, agosto 31, 2005

O impossível

Há coisas que não vale a pena voltarem. Perderam o lugar. O lugar ficou lá, mas é para permanecer vazio. Tudo isso faz doer, é melhor não mexer. O que tivera importância já tinha acontecido, já tinha acabado.
Foi assim e foi muito belo, o mais simples adeus, o verdadeiro, pensei eu antes de começar a chorar. Porquê chorar se foi tão simples assim? Porque, sei-o agora, que jamais me conheceu. Sabe que me chamo Maria, pouco mais. Não sabe o quanto sou silenciosa, atenciosa, meiga, dedicada, alegre e sensível. Não sabe o meu riso nem o meu olhar, não conhece o meu andar, não sabe o que me comove nem o que me emociona, nunca leu os meus livros nem ouviu os meus discos. Foram só os prazeres, pequenas ilusões.
Nada mais há para dizer, penso eu. Há só que guardar isso tudo na cabeça, como se puder.
Talvez exagere, mas isso faz parte do que sinto, e não desejo que seja de outra maneira.
O impossível é mesmo o impossível e assim é que está bem.

terça-feira, agosto 30, 2005

Só tu me fazes dizer as coisas que te digo

O que se passa conosco não é bem nem mal, é só assim, e isso é bom.
Há uma saudade nisto tudo que não se sabe de quê.
Ouvimos o coração um do outro, só isso, ou antes, imaginamos o barulho que faz o coração um do outro e é o bastante.
É como se falássemos uma língua que não é a nossa, que não é a minha nem é a dele, uma língua que serve só para falarmos. E entendemo-nos. Bem. Muito bem. E para mim isso é muito, quase, reconheço-o só agora, demasiado importante.
Eu sei que o que escrevo em parte é delírio, mas a outra parte não. Por debaixo é verdade. Queres ir ver?
O que é que me está a acontecer? É difícil dizer. A emoção confunde as razões, as justificações, os pontos de vista, eu sei.

segunda-feira, agosto 29, 2005

Sem que saiba porquê

Desde há uns dias que tenho uma leve impressão nos lábios que me intriga e não me larga. Talvez não seja capaz de a descrever por ser tão estranha e tão leve. É como um véu seco e macio. Nem uma gota de saliva, nem toda a língua molhada e nem mesmo os cremes, batons e pomadas conseguem enganar esta sensação de secura. Ao espelho não se nota nada. Ultimamente não o tenho beijado, ritual frequente nos meus lábios, mas tenho-os olhado com toda a atenção à procura do tal véu e com grande admiração por não o encontrar. Tão pouco os meus dedos são capazes de palpá-lo. Ao aproximarem-se, à procura de um toque macio, encontram, zangados, uma rugosidade, vincos e um suor de verão. E o véu seco e macio, sobrevivendo a todos os sentidos, mantém-se todo o dia e toda a noite, ora intrigando-me ora fazendo-me sentir apaixonada, lembrando-me de ti.

Chega!

Bem, vamos mas é a isto.
São três da manhã, amanhã trabalho.
Penso em tudo.
Estão sempre a passar coisas pela cabeça, não é? Estamos a pensar nisto e vem logo aquilo sem se perceber bem porquê, estamos a ver isto e já é aquilo e depois aquilo e não fica nada disto. Será porque a cabeça tem de estar sempre sucessivamente ocupada para não avariar? É que não há mesmo maneira de a parar.
Acho que vou voltar para a cama. Fecho os estores. Rio. Estarei a enlouquecer? Não.
Adormeço? Era bom, mas não consigo.
Chega!
Ainda há chá? Óptimo.
Vamos lá para a cama. Deixo tudo aceso, menos a televisão porque é mais rápido apagá-la do que tirar-lhe o som, e assim, acho eu, pelo menos não me assaltam a casa.

Sonho

Sonhei com ele.
Não é a primeira vez que sonho com ele. Acabamos por nos abraçar e ficamos em paz. Não sei onde estamos. Só me lembro disso, porque é disso que me lembro quando acordo.

sexta-feira, agosto 12, 2005

O calor persiste

O calor persiste, insuportável.
Tomo um duche de água fria e deixo-me ficar quieta a sentir a água secar na minha pele.
Deito-me na banheira vazia onde o som dos pingos de água a cair chega para ocupar o meu vazio.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Vi-o

Maria, se não resistires então vai.
Mas não fiques muito tempo.
Fica só a olhá-lo de longe.
Sentes-te feliz de o ver ali, mesmo quando te vêm as lágrimas aos olhos?
Agora fecha os olhos para, quando os abrires, os olhos dele já terem voado para muito longe do abrigo da tua alma.

Memória

Maria, o melhor é ires jantar num local tranquilo, ocupares-te mentalmente com outras coisas.
E o que fazer com a memória?
Guarda-a dentro de ti, ciente de toda a inutilidade que nisso há.

terça-feira, agosto 09, 2005

De manhã é tudo muito mais confortável

De manhã é mais fácil. Há o ar da manhã, há o cheiro do café quente, há o movimento dos carros, a viagem de carro até ao emprego, o cheiro recente do meu perfume, o primeiro cigarro, por fim entro no escritório, oito horas de agitação.
É a vida a passar de qualquer jeito.

segunda-feira, agosto 08, 2005

A minha religião

Oiço música horas a fio deitada no sofá.
Se não estiver a gostar do que estou a ouvir troco de disco ou desligo e brinco com a minha gata, ou vou lavar a loiça do jantar, ou então arrumo uma gaveta, posso também fumar um cigarro à janela, ou sentar-me na varanda a ver as luzes dos outros acesas, desfolhar uma revista, mergulhar num livro...isto sim, é uma espécie de religião.
Depois, de noite, quando durmo, esqueço tudo o que não sei. Se sonho, quando acordo, não me lembro do que sonhei. Vivo num apartamento, no alto de um sexto andar, com uma gata, à qual não peço opinião.
Mas mais do que os bichos, o que admiro é o silêncio das plantas.

Primeira e última certeza

O que eu não podia adivinhar era a facilidade com que se pode ganhar e perder alguém.
Talvez o segredo, mas acabem-se já com todos os segredos, esteja só no seguinte: Ninguém é de ninguém.
É incrível como escorrego só pelas pessoas em que toco, sem as tocar.



    Closer,The Tiny

Silêncio e calor

Sentada nesta cadeira, as janelas abertas, o fumo do tabaco, um vazio a ocupar a próxima hora.
O vento sopra lá fora, inutilmente, é um vento fraco. Faz um calor de estufa.
Eu, que me julgo sensata e só perdi por duas vezes a cabeça, agora quero perdê-la muitas vezes mais. De preferência contigo.
Terminei o cigarro, vou deitar-me. Não preciso escrever mais nada, são palavras que só eu sei.
O calor persiste, insuportável.

Fotografias

Detesto fotografias, são uma praga, um engano, uma armadilha.
As pessoas acreditam que estão a tirar uma fotografia de alguém ou de alguma coisa, e que esse alguém ou essa coisa fica suspenso para sempre, fixado para sempre, num papel perpétuo, uma imagem perdurável, que grande mentira.
Nunca vou precisar de fotografias para me lembrar de ti.

quarta-feira, agosto 03, 2005

Mensagem de Amor

Esta é a minha mensagem de Amor para ti.
Não sei quem és, não sei o teu nome, mas sei que existes, sinto-te perto, talvez estejas a caminhar por um ribeiro, tentando chegar ao rio para depois subi-lo e chegares a alguma povoação.Só te vejo com os olhos fechados mas sei que estás quase a chegar e até lá, gosto de pensar que és perfeito, que temos os mesmo segredos e os mesmos sonhos e que afinal vale a pena acreditar que a espera não foi vã e que as noites são cheias de mel e constelações.
Estou à espera que a vida te ponha no caminho uma mulher como eu.

Defeitos insuportáveis

Existem certos defeitos que estragam o efeito. Defeitos que não conseguimos suportar.
Uma pessoa às vezes deixa de gostar de alguém, ou até sente repulsa por alguém por causa de um pequeno pormenor, ridículo, quase insignificante, uma babinha no canto da boca, uma perpétua remela, um cheiro infindável nas axilas, um dente cariado, uma dentição desalinha, a forma do polgar, um joanete no pé esquerdo. Uma coisa qualquer, uma estupidez que uma pessoa, sem saber porquê, acha repugnante. Não é racional, não é justo, mas é assim.
Que coisa, que preconceitos, que desgosto, nos levam a gestos tão irracionais?
Somos receptores insondáveis, nós, os seres humanos. Não há nada a fazer.

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