segunda-feira, março 28, 2005

Visita à Vidente

Alguma coisa, alguma coisa de intuitivo e obscuro me dizia que as coisas não estavam a correr bem. Não sou supersticiosa, mas acredito nas premonições.
Nesse instante de dúvida e de fraqueza psicológica corri à gaveta da papelada inútil que um dia há-de servir e mexi e remexi até encontrar o bendito cartão da maldita vidente.
Finalmente alguém me iria dizer se estava doida.
Observava-me com um frio cuidado profissional, como um médico concentrado num diagnóstico difícil.
Sem dúvida que queria ouvir a sua voz, deduzir alguma coisa a partir das suas inflexões e vocábulos.
Chegou depressa demais exactamente ao que eu queria ouvir.
É para isso que uma pessoa vai ter com toda a gente: uma amiga, um psicólogo, um psiquiatra, uma bruxa: para ouvir o que quer ouvir, e só paga com gosto quando lhe dizem o que estava à espera de ouvir.
E porque lá foste, Maria? Foste por algum motivo especial?
Há sempre um motivo especial. Vai-se à vidente para não ir ao psiquiatra. Pois é, é mais barato e mais rápido.
Saí de lá a sorrir, depois de ter deixado em cima da mesa, ao pé da chávena com a borra do café, três notas de dez euros.

O que ela me disse, não conto, guardo para mim.

Armadilha

Pois...caí na minha própria armadilha e vi-me forçada a mudar de casa, mas mudei aqui para o lado. Quero com isto dizer que mudei apenas o nome do blog e o endereço.
Quem eu não queria que lesse, leu.
E não quis que na sua mente andassem todo o tempo às voltas as minhas palavras, pedaços dos meus contos, e além disso, pedaços do meu corpo.
Este pedaço é meu.
Conservava uma remota esperança de que essa pessoa nunca soubesse, mas soube.
É humilhante, eu sei.
Assim, de Girl Code passo a Há Dias Assim.
Há, não há?

segunda-feira, março 21, 2005

Recado a mim própria

Não sei, quis fechar todos os livros, aproximar-me de mim para me afastar de mim.
É certo que me senti triste, de certa forma, frustrada e terrivelmente sem motivação, perplexa e intimamente só.
Não, não se trata de uma regressão à adolescência, até porque embora algumas emoções se assemelhem, tudo tem outra percepção e entendimento.
Daí que... está tudo bem comigo!
A minha alma aconchega-me o corpo, intima-me a ser eu própria, embora sempre numa dialéctica constante.
Não digo mais razões, por agora... direi depois.
É terrível quando falamos de nós para nós, não é assim?
Por agora basta-me saber de onde venho, saber que tenho uma história e um destino e não estar perdida e sozinha num mundo que não é de ninguém.

É mentira

Não sei se é verdade, porque ele mentia muito, não parava de mentir às outras pessoas, sobretudo àquelas pessoas de quem gostava, se calhar unicamente àquelas de quem gostava, e talvez gostasse de mim.

quinta-feira, março 17, 2005

Guarde esta confissão e faça dela o que entender

Não quero que ninguém me venha incomodar esta noite.
Estou a pensar em si.
Todo o esforço é pouco, toda a atenção não basta.
Chega das mais diversas maneiras e não tenho forma de controlar por inteiro.
O melhor é deixar vir o que tem que vir porque tentar fixar uma imagem é condená-la a desaparecer, ensaiar uma recordação é afastá-la para longe.
É tão estranha a memória, tão inútil, tão poderosa.

domingo, março 13, 2005

Pois...mais uma vez

A minha amiga Joana é que sabe.
Desde sexta feira que estás diferente. Estás doente?
Ontem eras uma pessoa, hoje estás outra.
Costaste o cabelo? Esse baton é novo? Não...espera...não é nada físico.
É lá dentro, não é?
Como sabes?
Não sei, sinto.
Não és tu que me respondes assim tantas vezes? Que não sabes, mas sabes, sentindo?
Sou.
Pois eu também sei. Isto de trabalhar contigo não tem só coisas más! Também se aprende.
Tonta.
Tonta pareces tu.
É assim tão óbvio?
Não, não é. Mas para mim é. Vá, conta. Deixa, eu adivinho.
De um momento para o outro e sem saber como senti-me completamente apaixonada, o que para mim quer dizer que não havia sítio, pessoa, tempo algum que eu preferisse àqueles em que estava ali fechada no carro, com aqueles olhos a olharem para mim.
Ah pois. E agora? Foi assim?
Foi.
Se foi assim é porque não podia ter sido de outra maneira, é uma coisa muito estúpida de se dizer eu sei, mas tem a sua verdade, quer dizer que não temos mão na vida que temos. E agora?
Agora ele vive dentro de mim, faz-me sonhar, vejo o mundo com mais nitidez, a vida ganha contornos novos, sinto-me viva.
Pois... e isso é bom ou é mau?
Sei lá. Agora não penso nisso.
E em que pensas?
Nele.

É assim...

Acordei com uma frase na cabeça.
Acordei a chorar compulsivamente, jámais me tinha acontecido.
Quis repetir a frase mas não consegui.
Chorei.
Chorei, sem conseguir parar.
Foi um sonho. Um sonho mau que tivera. Eu sei.
Abro os olhos e fico com eles bem abertos.
Não se vê nada. Continuo a chorar.
O melhor é saltar já para fora da cama.
Quando dou por mim estou no quarto de banho a fixar os meus olhos no espelho.
Estou num estado lastimável.
Debaixo do duche abro e fecho os olhos muitas vezes para deixar que a água os lave.
Vou para a cozinha e faço café.
Bebo-o de pé.
Sinto-me impaciente.
Ainda é Sábado.
Nunca mais é Domingo.
Fico, durante o que me parece uma eternidade, a olhar fixamente as horas, à espera que chegue Domingo.
Então a frase da manhã, qual é?
Não sei.

quarta-feira, março 09, 2005

João e Laura

Os nomes, escolhi-os ao acaso.
Não!
Sempre gostei destes nomes.
João porque me diz muito, é também o meu nome.
Deus me livre de a minha mãe me ter posto o nome dela! Mas o meu filho há-de ter o meu.
Laura porque desde nova, quando vi uma telenovela brasileira, me encantei com este nome.
Primeiro ele, depois ela.
Pode ser ao contrário, não me importo.
Mas primeiro ele, depois ela. Queria que fosse assim.
Há meses que tenho estes dois filhos a crescer dentro de mim, dentro da minha imaginação, mas ainda não sabem quem sou.
Não vale ter medo.
Há muito que o amor mostrou ser um fracasso.
Não preciso dele para ser mãe. A biologia é uma ciência, ou a génética, ou lá como se chama ao que tenho que recorrer.
Não espero encontrar ninguém, a minha vontade é-me suficientemente querida.
Sou extremista em individualismo, em determinação, em teimosia e em solidão.
Em egoísmo, em ambição, em amor-próprio.
E é por isso, João e Laura, que vocês hão-de nascer.
E nesse dia, o meu reservatório vazio enche-se. Tenho estado à espera.
Tenho dois reservatórios. Um cheio de amor para dar. Outro vazio de amor para receber, como um fundo poço.
Sou frágil como um grão de neve.
Derreto-me com leves sussuros e a ternura estonteia-me.
E é por isso, João e Laura, que vocês hão-de nascer.

quinta-feira, março 03, 2005

Penso em nada

A água quente cai com o mesmo barulho que a água fria.
A sombra das coisas de qualquer cor é de uma só cor.
O mundo é só um mundo entre muitos outros e podia ser muito diferente do que é.
Uma pessoa é uma pessoa diferente para cada um.
Uma pessoa são muitas pessoas juntas numa só.
Uma pessoa vai sendo várias pessoas ao longo do tempo e por vezes tem dificuldade em se reconhecer naquilo que foi.

São coisas em que costumo pensar.

terça-feira, março 01, 2005

Pois...

Há coisas que acontecem e não se sabe dizer como aconteceram, nem porquê nem como, que não se espera que venham a acontecer outra vez, das quais se tem muito medo porque levam ao fundo tudo por onde passam, terramotos.
E no entanto sem catástofre não se consegue, fica-se a meio, sabe a pouco.
Sempre que penso em si, avança em desordem no ar e eu sinto pressa de o alcançar, o sangue tem pressa em correr e ao mesmo tempo sinto pavor em chegar.
Há dois dias que vivo, respiro, durmo e alimento-me de paixão.
E quero lá saber do frio, do Sócrates, do IRS, estou-me a ralar para o director da empresa e se os pneus do meu carro estão carecas ou não.
Eu quero-o é inteiro, aqui, em frente à minha lareira, copo de vinho tinto na mão e que me aqueça a alma antes de sequer tocar-me no corpo.

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