terça-feira, junho 28, 2005

O coração a bater no cérebro

Chove.
Dia triste, noite mais triste ainda.
Cheguei a casa, fechei a porta do prédio sem cuidado. Sem bater, mas também sem cuidado. Não queria ser ouvida, mas também não me ralo se me ouviram.
Esperei pelo elevador. Subi com a cabeça às voltas. Antes de chegar ao sexto andar tirei os sapatos. O vizinho dá-me as boas noites. Boas noites? O que é que os outros sabem da nossa vida? Respondi com frieza, melhor, não respondi.
Estendi-me na cama. Sem dar por isso adormeci, como se me tivessem espancado com um rolo da massa na cabeça. Acordei em sobressalto. Acordei como quem acorda de uma operação a peito aberto. Doi-me o corpo, doi-me a cabeça, doi-me tudo.
Tomei banho só a metade, sem molhar o cabelo. Ando descalça pela casa.
É isso mesmo! Há um lubrificante social, um lugar comum dos costumes, que é baixar a tensão com um pouco de álcool.
À tua!

domingo, junho 19, 2005

Flash que dura pouco

No regresso a casa levo-te ainda fixado na minha cabeça.
Cabes lá inteiro, no pequeno espaço do meu crânio. É verdade que não preciso de fotografias para recordar-te.
Talvez precise de uma peça de roupa para me lembrar do teu cheiro. Porque uma pessoa reconhece os cheiros, mas recorda-os com alguma dificuldade.
Levo os dedos da mão ao nariz. Lá estão, suspensos, os mais íntimos dos teus perfumes.
Se não lavar as mãos, cá ficarão no dia seguinte, acompanhar-me-ão sempre que queira, no escritório, em casa, numa fila de trânsito, numa fila do banco, numa sala de espera.
O cheiro faz-me reviver o desejo.

quinta-feira, junho 16, 2005

Na imaginação, tudo corre lentamente

As mãos abrem o sexo. Os dedos entram na boca.
E as mãos misturam-se com os sexos, os sexos com as bocas, o teu sexo no meu, a tua boca no meu sexo.
Os corpos exaltados a escorrem a água de que são feitos.
O meu corpo e o teu. Essa troca de suor e células.
Os corpos do avesso.
Os olhos fascinados.
Várias vezes.
Repetidamente.
O tempo perdeu qualquer urgência.

domingo, junho 12, 2005

Talvez o dia de hoje não seja a continuação do dia de ontem

Eu tinha acreditado numa coisa e depois deixara de acreditar nela.
Quando tentava lembrar-me daquilo em que tinha acreditado, não conseguia.
A partir de certa altura começava mesmo a acreditar que não tinha acreditado em nada.
Saber a verdade tornara-se uma expressão imprecisa e a tal perspectiva, em que tudo ganhava sentido, demasiado estreita, provocando um fenómeno comparável em física a uma ilusão de óptica.
A vida parece-me agora, irremediavelmente desfocada.

Talvez tudo ganhe outro sentido ao som desta música:

The days are long and filled with pain, Maximilian Hecker - new version by Niina Susanna Rinne

Obrigada, José

Como pode ver, aqui no meu cantinho, a música já toca!
A si a dedico. Não poderia ter escolhido outra senão Help me, por toda a ajuda que me prestou.

sábado, junho 11, 2005

A noite que caiu guarda tudo nas suas mãos fechadas

Isto tudo se passou à beira rio, sob um céu limpo, um vento fresco, a água de brilhos metálicos, a rua pouco iluminada. Não faz frio.
Demos as mãos. Naquele preciso momento foi o suficiente. Ouvimos o coração um do outro.
Não valia a pena dizer quase nada.
Outras pessoas passavam. Cada qual no seu papel da vida.
Nós, por sina, nessa noite, reprensentávamos a graça.

quarta-feira, junho 08, 2005

Boa noite

Levanto-me ainda ligeiramente tonta, passo as duas mãos pela cabeça, digo baixinho boa noite.
Isto é só uma desastrada maneira de tentar dizer que vou deitar-me e dormir.
E bebo o meu chá, ice, desta vez.

segunda-feira, junho 06, 2005

Ficar ou fugir?

Há qualquer coisa de instintivo, de não dito, algo não racional nem razoável que faz com que no nosso interior um alarme de perigo se acenda.
Porém, o problema consiste em que é uma sensação difícil de racionalizar e de situar.
É como uma adivinhação, como um pressentimento de dores futuras. Eu sei, ou pelo menos acredito, que as intuições e os pressentimentos realmente existam e que, se não sempre, pelo menos frequentemente, remetam para qualquer coisa de real.
A minha própria razão diz-me que tenho de dar atenção a esses pressentimentos, que não devo desprezar as minhas intuições e sensações, mesmo que essas sejam de todo malucas, mesmo que estejam tecidas por um fio invisível que oculta a trama, as causas, os efeitos, mas que enviem para o corpo e o cérebro uma mensagem clara: Alerta! Alerta! Tem cuidado!
Quem é que ensina ao coelho a desconfiar da serpente? Quem é que disse à gazela que tinha que correr ao perceber um certo cheiro?
Há mensagens cifradas da realidade que não são decifradas pela parte racional do nosso corpo, mas por um receptor qualquer que temos dentro de nós e que é, ao mesmo tempo, muito menos cego do que os olhos, muito menos burro do que a razão e muito mais obscuro e difícil de definir do que eles.

sábado, junho 04, 2005

Há pessoas a mais

Há pessoas a mais. Uma praia num dia de tórrido calor chega para definitivamente nos tornarmos conscientes da insensata multiplicação da espécie. Bem fiz eu, que fui trabalhar.

quinta-feira, junho 02, 2005

Camera Obscura

Ainda eufórica com tanta música nova, apresento-vos Camera Obscura, desconhecidos por mim até hoje mas nestas andanças desde 1996.
Que continuem.
Uma banda escocêsa que de espanhol, julgo eu, só terá o nome.
Li algures que são a banda do momento mas na ausência de data dessa publicação, interrogo-me do quando desse momento.
Na moda ou já não, confesso que esta música com ar de teenager, vozes suaves e sons familiares enche-me as medidas.
Oiço, neste momento "Books written for girls", nada mais a propósito!

quarta-feira, junho 01, 2005

Dying

Ainda em transe absoluto com este tal de Maximilian Hecker com o tema Dying só me apetece chorar, chorar de aflição, chorar de emoção, chorar até de alegria e não sei porquê, ou talvez saiba, claro que sei, lembrei-me agora do meu pai.
Hoje foi dia de tratamento, mais umas quantas injecções de químicos, ele e todos os outros, sentados nas poltronas, numa fila a perder de vista.
Hoje tivemos sorte, não foi pai? Fomos cedo, conseguimos arranjar uma caminha numa enfermaria. Na caminha estás melhor, eu sei, consegues dormir, sempre à força dos calmantes que te dou no leite do pequeno almoço.
10 minutos, a primeira dose.
Mais 10 minutos a segunda dose.
Apartir daí, e porque a terceira dose dura 3 horas, dormes.
Nessas 3 horas passo a minha vida e a tua em revista. Eu, porque sei o que vivi, tu porque sei o que me contaste.
E hoje veio-me à memória a primeira fotografia que tiraste - sim, está comigo - sentado num pequeno banquinho, orgulhoso dos sapatos que trazias no pés, desajeitado, quase sem saber andar, porque fora a primeira vez que calçaste uns sapatos, tinhas 13 anos.
E apeteceu-me falar hoje dos teus sapatos, talvez porque tenha passado por uma montra e tenha sentido vontade de comprar uns, mas, não sei porquê, sinto sempre, invariávelmente, uma grande culpa de cada vez que compro uns sapatos novos.
E apeteceu-me hoje falar de ti, porque estás sempre comigo, porque te levo aonde for, esteja com quem estiver. A ti e à tua expressão de desespero.
Sim pai, hoje estás com melhor cara. Quando te puseste em frente ao espelho, a admirar o que outrora fora a expressão dum bonito homem, disseste "parece-me que hoje estou com melhor cara". Sabes o que senti? Quis morrer, lentamente.
Claro que estás com melhor cara, meu querido pai. Com melhor cara, com melhor cor, mas com falta de apetite. Vá, come, precisas engordar.

As pétalas de Maximilian Hecker

Soubesse eu como colocar uma música no blog escolheria, num piscar de olhos, Maximilian Hecker, qualquer um dos seus trabalhos.
Conheci-o ontem, a ele, e de imediato folheei tudo sobre a sua música, um deleite para os meus sentidos.
Num dia tão triste como foi o de ontem, chegou-me primeiro às mãos e depois ao ouvido, o disco mais comovente, mais íntimo, mais espontâneo e mais emotivo que alguma vez ouvi.
Oiço-o neste momento, chegada a casa, com um ligeiro sentimento de culpa por ter fugido do escritório para nos encontrarmos os três, eu, ele, e o fim de tarde da minha varanda.
Não estou lúcida.
Procuro uma imagem que me faça feliz.

Dia mundial da criança

Hoje, havia no meu frigorífico, uma melancia inteirinha.
Havia, disse bem.
Pronto, senti-me novamente com 5 anos, sentada à soleira da casa da minha avó, em Trás-os-Montes.

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