quarta-feira, junho 01, 2005

Dying

Ainda em transe absoluto com este tal de Maximilian Hecker com o tema Dying só me apetece chorar, chorar de aflição, chorar de emoção, chorar até de alegria e não sei porquê, ou talvez saiba, claro que sei, lembrei-me agora do meu pai.
Hoje foi dia de tratamento, mais umas quantas injecções de químicos, ele e todos os outros, sentados nas poltronas, numa fila a perder de vista.
Hoje tivemos sorte, não foi pai? Fomos cedo, conseguimos arranjar uma caminha numa enfermaria. Na caminha estás melhor, eu sei, consegues dormir, sempre à força dos calmantes que te dou no leite do pequeno almoço.
10 minutos, a primeira dose.
Mais 10 minutos a segunda dose.
Apartir daí, e porque a terceira dose dura 3 horas, dormes.
Nessas 3 horas passo a minha vida e a tua em revista. Eu, porque sei o que vivi, tu porque sei o que me contaste.
E hoje veio-me à memória a primeira fotografia que tiraste - sim, está comigo - sentado num pequeno banquinho, orgulhoso dos sapatos que trazias no pés, desajeitado, quase sem saber andar, porque fora a primeira vez que calçaste uns sapatos, tinhas 13 anos.
E apeteceu-me falar hoje dos teus sapatos, talvez porque tenha passado por uma montra e tenha sentido vontade de comprar uns, mas, não sei porquê, sinto sempre, invariávelmente, uma grande culpa de cada vez que compro uns sapatos novos.
E apeteceu-me hoje falar de ti, porque estás sempre comigo, porque te levo aonde for, esteja com quem estiver. A ti e à tua expressão de desespero.
Sim pai, hoje estás com melhor cara. Quando te puseste em frente ao espelho, a admirar o que outrora fora a expressão dum bonito homem, disseste "parece-me que hoje estou com melhor cara". Sabes o que senti? Quis morrer, lentamente.
Claro que estás com melhor cara, meu querido pai. Com melhor cara, com melhor cor, mas com falta de apetite. Vá, come, precisas engordar.

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