Da celeridade à serenidade
Às vezes, durante a madrugada, abro os olhos com ânsia de acordar. Desfaço-me dos sonhos com a mesma indiferença com que tiro o pijama. Levanto-me à pressa, como se uma mola do colchão me atirasse para o chão com um bicada nos rins. Corro para a casa de banho e fico impaciente porque a água quente demora imenso a sair, a desalojar a água fria. Ensaboo-me apressadamente e seco-me com a toalha do mesmo modo, como a lixar a pele com a fúria de não poder ficar seca num instante. Tomo o pequeno almoço em pé em frente à bancada da cozinha e acrescento leite frio ao café para poder bebê-lo a toda a velocidade, sem ter de esperar que arrefeça, lá, em pé, sem sequer me sentar.
Por fim, quando entro no carro e arranco, reparo que vou chegar muito cedo ao emprego, muito antes da hora de entrada. Sinto então o primeiro sossego do dia, invade-me uma espécie de serenidade de último momento e, finalmente descontraída, em sintonia com o tempo, guio muito devagar, ponho a música a tocar. Dos altifalantes sai essa nuvem de ruídos harmoniosos e de repente sinto-me recolhida, a contrastar com o desassossego que tinha sentido desde o mesmo instante em que tinha aberto os olhos.
Se calhar, corro tanto com o único fim de me sobrar tempo.
Em todas as coisas rotineiras, nas coisas corriqueiras e indispensáveis, faço os possíveis para poupar tempo, corro, voo, apresso-me, desespero-me. E faço-o para depois poder entregar-me, à vontade, às coisas inúteis, ao inesperado. Depois de despachar como um relâmpago toda a rotina, entrego-me aos tempos vazios. Depois de ter corrido horas a fio como doida, deixo-me ir atrás do prazer do tempo morto. Uso a rapidez da madrugada para poder mergulhar mais tarde na lentidão com que o crepúsculo chega.
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