Uma coisa é certa:
Para a morte, como para o sol, não se pode olhar fixamente por muito tempo.
Não vale a pena pensar muito na morte. Mas é insustentável o facto de a perfeita auto-estrada asfaltada da minha concepção da vida acabar em tamanho percipício.
Não, não estou doente, tão pouco sofro desse terror ancestral de pensar na morte como um fantasma. Confio na medicina científica e controlo o meu corpo. Penso nisto como poderia pensar noutra coisa qualquer. Sonhar com a morte significa anos de vida, dizem.
Mas não sonhei, só penso. Penso que por vezes gostaria de controlar tudo, mas o controlo é inimigo, claro, da desolação, mas também da alegria. Aliás, é necessário abdicar de vez em quando da incredulidade, mergulhar na música das sensações para poder sentir a fundo a alegria, a emoção, a doce tristeza de continuar viva.
Mas voltando à morte: não, não me apetecia morrer já, se tivesse que morrer. Ainda me apetece olhar para o mundo com olhos insaciáveis. Há que viver até ao limite este imenso acaso de estar viva. E mesmo que da minha existência nada fique, esta é a minha única hipótese, e tenho de vivê-la com todas as minhas forças.
Mas é triste, a morte. Um dia o corpo e a alma param de lutar e de se apegar com os cinco sentidos à existência. Param de lutar e vão-se embora. Vão-se embora.
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