terça-feira, junho 27, 2006

No Espelho

Imaginou-se com rugas, dessas rugas que atravessam a testa como uma página riscada, horizontal. Eram cinco riscas, uma espécie de pauta, e outras rugazinhas verticais faziam de colcheias, de notas inarmónicas. Um dia tentaria transcrever as notas casuais do seu frontal pentagrama. Seria interessante, a música do acaso.

Diálogo possível

- Sim, é um sorriso ambíguo e um olhar que é o misto perfeito de troça e de ternura.
- Falas comigo em hieróglifos.
- Ainda bem. Não era bom que pudesses entrar nos meus pensamentos. Que são, quase sempre, maus pensamentos.

segunda-feira, junho 26, 2006

Private post

Sabes o que estou a ouvir? Have I told you Lately That I Love You, de Van Morrison.
(para R.)

And the winner is: Slave to Love - Brian Ferry (na categoria a melhor e única)

O prazer último e final, um prazer sem nome, o imencionável, onde a música adquire uma consciência amplificada de tudo. Slave to Love dá-me a consciência do corpo, do cansaço, dos limites, das partes do corpo que participam no movimento e que são quase todas. É um cortejo, uma sedução. Gosto cada vez mais com o passar do tempo.

And the winner is: Love Changes Everything - Climie Fisher (na categoria ouvir até gastar o disco)

Era, na altura, a música que mais me fazia sonhar. Esta música, como avião, como tapete voador. Amor e uma cabana, pensava.

And the winner is: Venus - Bananarama (na categoria coreografia feminina)

Fazia de morena. Era fácil, não precisava pintar o cabelo.

And the winner is: When Love Breaks Down - Prefab Sprout (na categoria música de férias)

A recordar as férias em Caminha, há 20 anos atrás. Nessa altura beijava tanto na boca que até o queixo me doia.

And the winner is: Everybody Wants to Rule the World - Tears For Fears (na categoria dança)

O meu corpo tem esta capacidade natural de sentir o ritmo, com alguma timidez acentuada que me leva a conter-me, a ser consciente de mim própria e a sentir alguma vergonha de fazer estes movimentos, pelo menos curiosos, que a minha razão não pode governar. Everybody Wants to Rule the World dos Tears For Fears faz-me agitar e na dança qualquer inteligência racional é inútil. E aquela parte dos dois bailarinos em frente às bombas de gasolina? A imitação sai-me na perfeição!

domingo, junho 25, 2006

Para maiores de 30

Isto sim, são lembranças reais.

(via Estado Civil)

quinta-feira, junho 22, 2006

Puro realismo mágico

Para mim as coisas são simples: Deus é uma espécie de patriarca imenso, de longas barbas brancas, todo-poderoso, de olhar severo e bondoso, de gesto sublime, voz e pensamento omnipotentes, mexe a mão e fala e tudo surge. E de repente lembra-se de dizer: faça-se luz, e a luz surge do nada. Formem-se as estrelas, e as estrelas começaram a cintilar em todo o firmamento. Faça-se a Terra, e um planeta azulinho de oxigénio e hidrogénio começa a andar em correria à volta do Sol e a dançar sobre si próprio como um pião. Que haja plantas e animais e num segundo, e saltando para cima dos dinossauros, aparecem branquíssimas pombas, pretíssimas aves de rapina, terríveis serpentes e bétulas aéreas. Faça-se o homem e o homem surge do barro, bípede risonho, com a sua cabeça ovalada, o seu pénis eréctil e o dom do pensamento. Faça-se a mulher e a mulher surge da costela do homem, com as suas mamas redondas, as suas duas bocas abertas e sem hesitar por um instante, começa logo a falar sem parar, a seduzi-lo com a sua joiazinha entre as pernas, com as suas glândulas mamárias que às vezes convidam para a procriação e depois para criar as crias.
E agora? Ainda acreditam no poético relato do Génesis?

quarta-feira, junho 21, 2006

Enfado recorrente

O desejo por ele ia e vinha. Vinha se se esquecia dele, desaparecia se ele estava muito presente.

Flash

Refugiava-se no trabalho para se esquivar dos embates da raiva que, de tempos a tempos, ainda a acometiam pelos lados da boca do estômago, no plexo, ao lembrar-se daquelas pernas, horizontais, sobre as pernas dele.

Desejo para este serão

Sucumbir a gestos de gentileza.

terça-feira, junho 20, 2006

Monólogos

Querer escrever alguma coisa e não conseguir é uma nódoa nefasta. Também queria falar, estava a precisar, estava quase a desatar a falar consigo própria.

segunda-feira, junho 19, 2006

Private post

Um gesto vale mais que mil palavras.
Comoveste-me, sabias?

Às voltas com a insónia

Já não posso com este enormíssimo montão de pensamentos que vivem na minha cabeça, num utópico ou platónico planeta, em meditações muito espirituais, e a mão tensa. Desejo a queda nesta terra, de imediato, como um raio, com claridade, ainda que decepcionante, que me faça bocejar e por fim, adormecer.

quinta-feira, junho 15, 2006

Sereno, muito sereno

Da lezíria frente a Lisboa vê-se uma tempestade eléctrica e silenciosa, clarões em todos os sentidos e a todos os segundos, a criar coroas no topo dos edifícios. Escarnecem. Ao chegar, do bafo que se levanta do chão molhado respira-se um sopro fresco – temos que esquecer que também é sujo. Gosto destes acertos de contas com a massa informe e fingida que é a cidade dominadora. Ao deitar, chove.

Insónia com a leitura

Recebeu a leitura, a lição, como um murro na cabeça, não lhe revelava nada de novo, nada que não fizesse sentido com a própria experiência, mas fez com que pensasse naquilo de uma maneira que não pensava há muito tempo. E foi só uma frase solta, numa página solta, dentro de um livro com muitas páginas. Escreveu-a no caderno, acumulou-a no seu caderno de riscos e na sua imaginação, como frase a reter todos os dias.

segunda-feira, junho 12, 2006

Íntimas partes

Não tinha ficado sem vontade. Apagou a luz e na penumbra abraçou-a. Enrolou-a nos lençóis, colocou-se em cima dela. Fez-lhe uma ventosa com a boca na boca dela, baixou a mão até ao centro do seu corpo, abriu-lhe as pernas. Procurou, com os dedos, sinais de humidade. Quando beijou os seus olhos, sentiu algo salgado sobre a sua língua, algo muito húmido e salgado. A humidade dos olhos teve uma rima, muito mais alegre, lá em baixo. A boca deixou marcas no pescoço, desceu e apoderou-se dos mamilos e com a língua lambeu as duas meias luas cheias de seios, e as suas mãos abraçaram-na com força e tocaram-lhe a face interna das coxas e, finalmente, já no fim, uma delas tomou o sexo, espetou a bandeira de um dos dedos na cratera onde começa o vulcão, aumentou o ritmo das ancas e tudo com gritos de ambos, tudo, o mundo todo, começou a desmoronar-se.
Porquê? Porque escrevi isto? Apeteceu-me, não fiquei sem vontade.

domingo, junho 11, 2006

O vegetariano

Era vegetariano por respeito à alma reencarnada dos animais e de nada servia dizer-lhe, utilizando os seus termos, que a alma transmigra de imediato para um outro corpo após a morte, e que nós devoramos apenas o corpo. Mais perigoso é comer plantas cruas, de certo modo ainda vivas, pois então o nosso estômago transforma-se num cemitério de almas, ou não é possível, por exemplo, reencarnar numa couve-flor?

sexta-feira, junho 09, 2006

Pragmatismo

Devemos procurar a libertação do riso, que é o melhor caminho para o esquecimento, e não procurar minimamente a beleza da recordação, nem manter a poesia das lembranças. Assim a consciência passa a deturpada e a memória a incerta.

segunda-feira, junho 05, 2006

Auto-retrato

Queria saber onde se tinha enganado, queria corrigir alguma coisa, tentava imaginar os seus erros e até os encontrava, mas não havia erros, o erro era ela.

Sem vontade

A vontade de escrever no blogue é como todos os apetites, tende a esmorecer com o hábito.

domingo, junho 04, 2006

Isto é fácil de perceber

Há quem pense que sou um homem. Sim, leram bem, há quem me escreva a dizer que sou homem e que a MariaOnLine não existe. Numa coisa acertam, a MariaOnLine não existe, mas a diferença entre mim e um homem é, deixem cá ver, como um europeu de cereja na mão e uma mulata que saboreia um pedaço de meloa contra o céu da boca.

sábado, junho 03, 2006

Um inútil

Viajamos no mesmo avião. Um político e eu. Reconheci-o. Aí nos conhecemos e aí ele pôs os olhos em mim, esses olhinhos de felino doente, com aquele pestanejar, e aquele repentino piscar de um só olho como prova suprema de sedução, por entre horrorosos diminutivos tipo queridinha, trabalhinho, viagenzinha, comidinha. Depois de jantar, pelas dez horas da noite, sinto que uma mão (aliás uma mãozinha) húmida, fria e repugnante como um sapo me toca no ombro. Tinha a cara vermelha, tumefacta por causa do vinho, com a pele furada pelos sulcos, covas, sinuosidades, carreiros e marcas de acne juvenil. Saí da sonolência para esse pesadelo e, com uma sensação de nojo, vi a sua cara quadriculada, o seu sorriso de político, a sua simpatia de campanha eleitoral, o seu vozeirão de orador profissional que dizia "espero não tê-la acordado". Começou logo a bater palmas como numa casa de comidas, acordou meio avião e mandou vir a hospedeira para que me servisse um whisky, que eu não quis, nem pedi, nem provei. Um homem com um nome, com um par de apelidos que basta mencionar para que se abram portas. Os seus apelidos repetiam-se num exército de irmãos e irmãzinhas, primos e sobrinhos, todos muito bem situados nas esferas da suja burocracia nacional.
(roida para dizer quem era)

Sólidas ruas do centro comercial

Às sextas feiras, o centro comercial é uma opção medíocre. Famílias em febre de hamburgueres, batas fritas, ecrãs enormes de televisão, gelados e pastilhas elásticas. Vivemos numa espécie de mundo falso publicitário, limpo, loiro, feito de jogging, gelados dietéticos, pensos higiénicos, whisky e cães de colo.

Arrasadora consciência

A simplificação da vida é isto: noite de sexta feira e nada para fazer.

O dactilógrafo

Sim, é verdade, há que saber tocar com sabedoria nas campainhas do corpo. Ritmo calmo, sensações muito mais delicadas e sofisticadas. Uma outra medida. As delícias da delicadeza. Pontos precisos como campainhas. O ponto G e depois, de dedo em dedo e de parte em parte das concavidades, o B, o F, o A, o Z, o W, o alfabeto todo, aliás. Há que rever mentalmente as vogais, as zonas erógenas, os tratados orientais de amor, o alfabeto grego, alfa beta gama delta épsilon zeta eta teta capa lambda até omega. Hábil tocador de inesperados pontos.

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