Um inútil
Viajamos no mesmo avião. Um político e eu. Reconheci-o. Aí nos conhecemos e aí ele pôs os olhos em mim, esses olhinhos de felino doente, com aquele pestanejar, e aquele repentino piscar de um só olho como prova suprema de sedução, por entre horrorosos diminutivos tipo queridinha, trabalhinho, viagenzinha, comidinha. Depois de jantar, pelas dez horas da noite, sinto que uma mão (aliás uma mãozinha) húmida, fria e repugnante como um sapo me toca no ombro. Tinha a cara vermelha, tumefacta por causa do vinho, com a pele furada pelos sulcos, covas, sinuosidades, carreiros e marcas de acne juvenil. Saí da sonolência para esse pesadelo e, com uma sensação de nojo, vi a sua cara quadriculada, o seu sorriso de político, a sua simpatia de campanha eleitoral, o seu vozeirão de orador profissional que dizia "espero não tê-la acordado". Começou logo a bater palmas como numa casa de comidas, acordou meio avião e mandou vir a hospedeira para que me servisse um whisky, que eu não quis, nem pedi, nem provei. Um homem com um nome, com um par de apelidos que basta mencionar para que se abram portas. Os seus apelidos repetiam-se num exército de irmãos e irmãzinhas, primos e sobrinhos, todos muito bem situados nas esferas da suja burocracia nacional.
(roida para dizer quem era)
<< Home