Quase invisível
Gosto de me sentir envolvida em película transparente. Aquela mesmo de uso doméstico.
Uma camada transparente, mais ou menos blindada que me protege e separa-me sempre da realidade de fora: ruído, sujidade, papeis, cimento, chuva, autocarros, poeira, ruínas, tascas, rap, bêbados, mal-criados, cadáveres.
A realidade, essa terrível aglomeração de substantivos, esse montão de agressores, vejo-a sempre através da película.
É como se estivesse sempre do lado de cá da janela, vendo sempre tudo através do vidro: da janela de casa, da janela do carro, do outro lado da janela do escritório, da janela do avião, do outro lado da montra do café, pela janela virtual da televisão ou do computador.
Sempre, sempre envolta nessa borbulha em que me sinto a salvo dessa incompreensível, inquietante e agressiva multidão que se agita e caminha e remexe e zumbe e grita agitada como um vespeiro.
<< Home