Sem céu nem reencarnação, sem inferno ou limbo
Não acredito em nada.
É assim que as pessoas dizem quando não se tem crenças religiosas ou espirituais: que não acreditam em nada.
Na realidade, eu acredito em montes de coisas: que as zebras são reais e às riscas, por exemplo, e os unicórnios cornudos mas irreais; acredito nos planetas como sendo reais, mas não nas suas pesumíveis influências sobre a nossa psique; acredito que existam, mesmo que não sejam vistos, os átomos; que a velocidade da luz é maior do que a do som e a do som maior do que a do leopardo; que eu esteja viva, que os ladrilhos de que sou feita são átomos, células e cadeias de DNA, e que estes um dia hão-de morrer. Também acredito que eu hei-de morrer, como os leopardos, as vacas ou os chimpanzés, definitivamente.
Não acredito no além, em qualquer sobrevivência depois da morte.
E é mesmo isso, acreditar (ou não acreditar) nestes assuntos post mortem, o que as pessoas chamam "não acreditar em nada".
Nesse sentido, com efeito, não acredito:
no medo de passar por baixo de uma escada
não me angustia o canto das aves de agouro
nem o passar de gatos negros
nem a geometria das linhas da mão
nem o percurso dos astros no céu
tenho medo de ladrões e assassinos, mas não de fantasmas
não acredito na sobrevivência das almas nem do espírito
e com a morte, todos os humanos morrem definitivamente, igual a todos os mamíferos e a todos os insectos.
Mas conservo alguma réstia de temores mágicos. Acredito, por exemplo, estar condenada a jantar sozinha.
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