quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Dia D

Então a história é assim.
E houve um dia, houve uma hora, um minuto, um momento só, igual a todos os outros, em que me decidi.
Nada havia a esconder, nada a procurar, mesmo sem ter de encontrar.
Nada que desculpar, nada que justificar, nem razão para a clemência.
Não, eu estava lúcida, ou antes, assim fiquei quando por fim, a certeza chegou àquele fim de tarde em que estava em casa, deitada em cima do sofá, talvez adormecida, quase vestida, com a cabeça sobre a almofada e os cabelos soltos, os cabelos desfeitos.
Ele chegou.
Queria matá-lo o mais rápido possível.
Aproximou-se devagar, sem ruído. Era insuportavelmente doloro vê-lo respirar.
Eu era damasiado humana, uma coisa tão frágil, quase a quebrar. Sempre fora assim, mas agora mais, não num instante, mas lentamente, há muito que me matava lentamente, repetidamente.
Aproximou-se devagar, sem ruído, a evitar, como sempre, como todos os dias, não subitamente, uma irrisória repetição do dia anterior, e do dia anterior a esse.
Vai-te embora.
Vou-me embora?
Sim, vai-te embora.
Foi assim, tão fácil, é sempre fácil matar.
Nada mais por fazer, o fim por fim, sem mais, o fim a começar.
Onde havia dois, havia agora só um.
Porquê chorar se fora tão fácil assim? Chorei sem saber porque chorava, se de contentamento, se de dor, se de alívio por chegar ao fim, por não ter de continuar.
E uma paz grande tomou conta de mim e talvez tenha adormecido.

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